quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Domesticação dos Corpos entre os Muros da Escola

1. Introdução

A educação é intrínseca ao ser humano, que desenvolveu mecanismos diversos de organização social através das suas necessidades e descobertas. A criação de instituições está vinculada ao desenvolvimento do homem que criou tais mecanismos, por meio da sua capacidade de criação, que se relacionam com o espaço e o tempo na qual se inserem. Instituições para atividades de diversos tipos e objetivos.
A criação da instituição escolar foi oriunda de uma necessidade do homem de organização, continuação e perpetuação da espécie humana segundo princípios de crenças, valores, atitudes, cultura. O que temos atualmente como Escola nasceu, inclusive, das aulas religiosas embaixo de árvores, dos ensinamentos dos mestres e artífices, dos ensinos dos pais aos filhos a respeito da pesca, da lavoura, das épocas de plantio e colheita, da necessidade de um espaço tranqüilo para que os aprendizes focassem no trabalho desenvolvido, no experiente músico que ensina a partitura de uma música ao jovem, nas relações sociais de organização e descoberta de novos conhecimentos, na moral e valores constituídos a partir do julgamento social, etc. Todos eles visando à reprodução social e carregada de ideologias vinculadas a algum valor atribuído.
A instituição escolar se adaptou no decorrer do tempo com as mudanças que ocorreram na sociedade e várias determinações impostas pela a mesma (formalização escolar). Atualmente a instituição escolar faz parte da vida de todo ser humano. Apesar de várias críticas quanto a sua organização ideológica na promoção da desigualdade social e reprodução da ideologia dos opressores, a Escola é fundamental na fomentação de uma sociedade mais justa, democrática e fecunda. A Escola representa uma possibilidade de transformação e emancipação humana.
Em um dos capítulos do livro Vigiar e Punir, Michel Focault (1987) nos apresenta sua análise acerca da punição e opressão dentro de instituições, inclusive a escolar, além de outras críticas em torno das ideologias por trás de tais ações. O que ele discorre, será aqui relacionado com o filme “Entre os Muros da Escola’ de Laurent Cantet (2007) que dramatiza a história de um grupo de alunos em uma escola pública francesa.

 2. A Instituição Escolar e a Domesticação do Corpo

A Escola é um dos lugares onde, segundo Focault (1987), o poder de domesticação se faz presente. Instituição de dominação onde as ordens são inquestionáveis no intuito de chegar a uma “forma” desejada, coerente para um sistema social e econômico vigente e autoritário. Para tanto, o sistema escolar possui suas regras e estratégias para o adestramento dos corpos maleáveis.
Essa perspectiva está presente no capítulo “corpos dóceis” do livro Vigiar e Punir de Michael Focault (1987). A escola é apresentada como uma instituição do poder do Estado para o controle social. Sobre o Estado, Althusser (1985, p. 15) afirma: “na sua interpretação mais vulgar e mais difundida o Estado seria instrumento de dominação de uma classe e não lugar de contradição e de luta de classe.
Nessa perspectiva, segundo Focault (1987, p. 118), “é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. O aperfeiçoamento é adquirido por meio de um adestramento contínuo através do que denomina “a arte de talhar pedras” (p. 120): a busca da disciplina, tendo com prerrogativa a atenção ao detalhe e a continuidade. Nessa arte a manutenção contínua da força visa a minúcia do detalhe como em um lapidar de uma pedra valiosa.
Segundo Focault (1987), “a disciplina é uma anatomia política do detalhe” (p. 120). Com isso o autor reforça o papel da minunciosidade e do detalhe para o controle. Acrescenta ainda que “para o homem disciplinado, como para o verdadeiro crente, nenhum detalhe é indiferente” (p. 120). Partindo dessa análise o autor nos leva a crer que aliado ao controle das minúcias destaca-se o olhar esmiunçante das inspeções para qualificar o trabalho.
Tal qualificação se insere em uma crítica a forma como a escola está organizada. O controle foca no individuo sob regalia da manutenção da disciplina por meio de uma atenção contínua a todos os detalhes, onde o aluno é privado de pensar, criticar, somar e facilitar a ação educativa. Para Mészáros (2005, p.55) “de fato, da maneira como estão as coisas, a principal função da educação formal é agir como um cão-de-guarda ex officio e autoritário para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de generalização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida”.
Conforme esse mesmo autor, “muitas escolas podem causar um grande estrago”, merecendo ser chamadas de “formidáveis prisões”.

2.1. Entre as Quatro Paredes

Relacionando essa discussão com o filme “Entre os Muros da Escola” de Laurent Cantet (2007), é possível perceber que a instituição escolar no referido filme comprova o caráter domesticador presente na obra supracitada de Focault. Uma instituição inóspita, apática as diferentes realidades pessoais, sociais e econômicas de cada aluno e totalmente focada no ideal comportamental e atitudinal dos mesmos em sala de aula.
Para Michael Focault (1987), a escola enquanto instrumento de coerção, ajustamento dos alunos ao que a sociedade exige e/ou acredita, estabelece uma relação vertical do poder entre professor e aluno. Tal verticalização é muito presente no drama. Em todo momento, o poder dos professores, seja na sala de aula, no conselho de classe ou nas reuniões de pais e mestres coloca o aluno na posição de um “réu” com direito a defesa que não terá nenhum valor perante o “júri”. A palavra do professor é sempre a última e soa como um veredito final e irrevogável.
Dessa forma, a busca da disciplina faz parte de uma exigência que quando não cumprida coloca-se o desertor em julgamento como uma forma de punição. Cabe então ao Conselho Escolar (de professores) julgar o aluno e puni-lo, sempre. A escola e todo o seu corpo de professorado exigem um comportamento padrão para todos uniformemente. A isso Focault (1987) denomina de “escala do controle”[1].
Ao mencionar isso, Focault (1987) esclarece que a uniformização é favorável ao “sistema”. Exige-se que todos respondam de maneira igual aos requisitos conforme uma determinação imutável. Nesse princípio, o aluno não pode ser questionador, uma vez que esse comportamento fere os interesses do aparelho repressor e ideológico do Estado, a Instituição Escolar (ALTHUSSER, 1985).
Acerca disso Passos (1996) acrescenta:

Os processos dicotômicos, que marcam a forma como as escolas estão organizadas, vão construindo nas salas de aula uma cultura disciplinar que rompe com as formas de mover-se, de falar, de estar, cultivadas no espaço do cotidiano da vida das crianças fora da escola. Entrar para a escola significa renunciar à diversidade desse espaço, adentrando num espaço organizado para que todos os alunos sejam iguais, para que todos aprendam do mesmo jeito, no mesmo ritmo. (p.123)

O objeto do controle no filme é o comportamento dos alunos. Ele é medido, mensurado e avaliado. A modalidade do controle é o disciplinamento através da punição e da exposição no conselho de classe. Assim, a evolução do aluno, ou seja, o trabalho desenvolvido é minimizado perante a análise do comportamento. Para ser considerado bom aluno, deve-se obedecer a tudo, ou seja, não questionar nada nem ninguém. O que o aluno desempenhou, a forma como evoluiu seu pensamento em relação às atividades em sala de aula, bem como seu desenvolvimento críticos das coisas e situações práticas, não são levados em conta.
Na realidade escolar apresentada no filme, o indisciplinamento é o grande vilão do trabalho docente. O desejo de “boa sorte, você vai precisar!” de um experiente professor a um iniciante, assim como as palavras duras de um professor ao se referir aos alunos dizendo: “não são ninguém, não são nada, parecem animais”, autentica a dificuldade de relacionamento entre professores e alunos quando os primeiros exigem dos segundos a disciplina e a submissão como passaporte para uma boa relação escolar e para o nível de escolarização seguinte, enquanto os segundos, oriundos de realidades distintas, mas exigidos a apresentar um mesmo comportamento, não esboçam nenhuma pretensão em cooperar para o exigido. Gera-se então uma rivalidade, onde o controle e as decisões estão alocados nas mãos da autoridade do professor e da instituição, cabendo ao aluno apenas aceitar ao que é imposto. Os professores protegidos pela ideologia e exigência institucional estão sempre prontos a penalizar sem levar em considerações outros parâmetros de avaliação, que não o comportamental.

3. A Mecânica do Poder

Parafraseando Focault (1987), para conseguir a disciplina usa-se a “mecânica do poder”, que por sua vez “define como se pode ter domínio sobre os corpos dos outros (corpos dóceis)[2], não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina” (p. 119). A escola, então utiliza de mecanismos autoritários a revelia de qualquer análise mais aprofundada acerca da realidade vivenciada.
Ainda acerca da disciplina, e sendo algo bastante presente no filme, é importante salientar sobre as técnicas que a disciplina utiliza para distribuir os indivíduos no espaço, ou seja, o que Focault denomina de “a arte das distribuições” (p.121). Para esse autor, a disciplina às vezes exige a “cerca”, ou seja, ambientes fechados em si mesmo, a exemplo da escola apresentada no filme. Nele o isolamento é marcado, também, através da estrutura física da escola com seus altos muros de cor cinza, dando ao ambiente um aspecto frio e intacto.
O princípio da localização, apesar de discretamente apresentado no filme, é também uma ferramenta utilizada pelo professor. Ele mesmo estabelece onde o aluno senta e questiona quando o mesmo muda de lugar. Esse princípio, segundo o autor de “corpos dóceis”, estabelece um quadriculamento que dê ao professor um maior controle sobre sua sala, no intuito de evitar “atiaglomeração e antivadiagem” (p.123). Com essa técnica o professor poderá, inclusive, vigiar o comportamento de cada aluno e estabelecer regras de localização funcionais, onde o lugar que cada um ocupe satisfaça a necessidade da vigília, de romper as comunicações indesejáveis e criar espaços favoráveis ao professor na sala de aula. (FOCAULT, 1987, p.123).
Assim sendo, tais princípios favorecem a ordem. A utilização de filas, tanto na entrada na sala, sob a inspeção do professor, até as carteiras enfileiradas, define muito do que Focault diz a respeito dessas estratégias que auxiliam a busca da disciplina.
A atenção dada a detalhes dessa natureza geram desentendimentos em sala de aula na medida em que alguns alunos se recusam a fazer a vontade do professor. O atrito está sempre presente movido, de um lado, pela autoridade do professor e, do outro, pela constatação dos alunos de que há uma imposição a ser reagida com “rebeldia”.

3.1 A Elaboração do Ato Requerido

Acerca do controle da atividade, Michel Focault (1987) fala do rigor do tempo e sua correlação ao quadriculamento do espaço, ou seja, um quadriculamento do tempo, afim de não perdê-lo conforme o rigor industrial. Uma das cenas marcantes no filme “entre os muros da escola” é justamente a que o professor não permite que os seus alunos o interroguem, justificando que os mesmos perdem tempo com questionamentos indevidos. Também exige deles a mesma desenvoltura para realizar as atividades, visando um melhor aproveitamento do tempo, assim aprenderá mais o ouvindo.
Expõe ainda que bons alunos em boas escolas não perdem tempo com coisas desnecessárias, isso justifica o porquê deles estarem tirando melhores notas e ocupando os melhores espaços na sociedade, ou seja, ganham vantagens sobre aqueles que perdem tempo. Com isso, verifica-se a intenção de nivelamento dos alunos tendo como parâmetros “os bons”, na realidade do filme os alunos do Liceu.
Com essa afirmação o professor reafirma aos alunos qual o papel dos mesmos na sociedade como uma deficiência unicamente deles e que a obediência, a ordem e a disciplina, exclusivamente, levam ao bom aprendizado e, consequentemente, a uma boa posição social e econômica. Conforme Focault (1987) essa relação tempo-aprendizado, ou seja, a “garantia da qualidade do tempo” torna os corpos dóceis meros receptores e visa estabelecer um “tempo sem impurezas, nem defeitos” conforme ótica da instituição escolar, pois, “o tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos”. (p.130)
Segundo o mesmo autor, “no bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido” (FOCAULT, p.130): a elaboração temporal do ato. Essa valorização exacerbada do tempo compromete aspectos não tão levados em consideração em muitos ambientes educativos, principalmente na escola formal: o principio da autonomia e cooparticipação de todos os atores da prática educativa.
Tal aproveitamento do tempo está vinculado ao ideal industrial e do capital. A realidade do drama ilustra bem qual o lugar dos menos abastados social e economicamente. A educação, portanto, está a serviço de um poder ideológico desumano e contrário ao que Mészáros (2005) acredita ao afirmar que “a educação não deve qualificar para o mercado, mas para a vida” (p.09).

3.2 O Disciplinamento Como Forma de Poder

O professor utiliza de meios não muito bons para manter a disciplina, meios os quais sinalizados por Focault (1987). Há na realidade escolar do filme uma concepção de indisciplina sob o sentido pejorativo que o termo carrega, ou seja, desordem, ausência de controle e de regras, dessa forma há um empenho exagerado dos professores em garantir sob qualquer custo um controle disciplinar, exigido pela normatização institucional.
A instituição escolar no filme atende adolescentes de classe baixa que foram excluídos pela própria educação escolar e apresentam uma rebeldia peculiar da idade. A escola parece não compreender muitos aspectos, inclusive os emocionais, que os adolescentes normalmente possuem. Portanto, exige dos mesmos comportamentos e atitudes que não se inserem dentro do propósito de uma educação centrada no aluno e suas necessidades.
Nesse foco de discussão uma cena do filme é marcante quando em reunião com pais, o professor fala das dificuldades em lidar com os alunos. Uma mãe explica ao professor que o seu filho “é apenas um adolescente tentando se definir”. Muitas das escolas que atendem a jovens são como a escola retratada no filme, não possui a sensibilidade de compreender o sujeito que ela atende.
No entanto, há uma cena na qual se percebe que há, mesmo que sem intenção, uma relação menos submissa e que proporciona a auto-estima dos alunos. Trata-se do momento em que o professor estimula a um aluno que o mesmo utilize as fotos de seu ambiente familiar em uma exposição de um projeto desenvolvido pela turma. Os alunos são motivados a criar, a ousar e a se mostrar sem receios. Nesse momento o professor instiga os aluno a serem criativos e autônomos, fortalecendo neles o sentido de orgulho ao desempenhar tal ação.
A valorização da biografia do aluno representou uma possibilidade de, através de uma situação educacional simples, proporcionar ao ambiente escolar relações interativas, dinâmicas e prazerosas, mesmo gerando um alvoroço repentino na turma por terem aprovado a idéia e o resultado da mesma. Nesse ato a indisciplina da turma é convertida no que Passos (1996, p. 118) denomina de “um fogo que atravessa a calmaria e faz nascer novos movimentos, diversas imagens invertidas”.
Nesses termos, para a autora o ato pedagógico é:

Momento de construção de conhecimento, não precisa ser um ato silenciado, que reduz o professor à única condição “daquele que ensina” e faz o aluno não extrapolar sua condição de “sujeito que aprende”. Ao contrário, o ato pedagógico é o momento de emergir das falas, do movimento, da rebeldia, da oposição, da ânsia de descobrir e construir juntos, professores e alunos. (p.118).

Essa “obsessão pela manutenção da ordem” (ENGUITA, 1989 apud PASSOS, 1996), se faz constante nas cenas do filme. E é essa obsessão que faz com que os professores se coloquem num pedestal exigindo respeito a sua autoridade. Não sabendo que o segredo para conseguirem respeito se encontra na relação saudável entre professor e aluno baseada na oportunidade da expressão, respeito às idéias opostas, automotivação, autonomia e confiança em si e no outro.
A sensibilidade do professor na cena descrita gerou um momento de muito aprendizado e o aproveitamento do tempo sob a égide de uma atividade criativa, dinâmica, prazerosa, levaram todos a participar e prestigiar todos os trabalhos. Diferente de outras cenas que foram marcadas pela privação, imposição e obrigatoriedade de atividades.
Dentre outros momentos, foi marcante uma das últimas cenas do filme quando ao término do ano letivo o professor perguntou a cada aluno o que ele aprendeu naquele ano. Uma das alunas, com lágrimas nos olhos, respondeu dizendo que não havia aprendido nada, pois não conseguia lembrar naquele momento. Coube ao professor tentar animá-la afirmando que ela não lembrava naquele momento, mas que havia aprendido muita coisa. Não convencida a aluna retrucou e disse que não queria ir para o grau seguinte, ou seja, não queria continuar a estudar.
Esse momento do filme pode representar bem o vazio de uma escola fria e inóspita a uma série de possibilidades na promoção de um aprendizado contextualizado, significativo e prazeroso aos alunos, que são socialmente marginalizados, privados de muitas coisas e obrigados a apresentar um comportamento e um resultado exigido pelos próprios pais, pela sociedade e pela instituição escolar. Muitas escolas não estimulam seus alunos a acreditar em seus sonhos, desejos e sua capacidade de alcançá-los. Para complementar essa discussão há duas situações interessantes no filme:
A primeira ocorre quando após a leitura de uma biografia, o professor propõe uma atividade na qual os alunos falem um pouco de si, seus desejos, vivências, preferências etc. e uma aluna diz que não tem nada a falar, uma vez que “as nossas vidas não são tão apaixonantes”, enfatiza ela. A outra situação se dá quando, dessa vez um garoto, diz não ter nada a dizer e retruca a seguinte expressão: “Se o que tem a dizer é menos importante que o silêncio, então cale-se”. Essa afirmação foi interpretada pelo professor como uma insolência, entretanto carrega em si uma reflexão que pode nos dizer muito.
A obrigatoriedade de dá uma resposta pronta a tudo que é requisitado, muitas vezes dá a atividade solicitada um caráter mecânico, insípido, desmotivador. A isso muitos alunos reagem com o que é muitas vezes denominado de indisciplina. A ação educativa exige do profissional da educação uma flexibilidade que vai muito além de promover uma atividade dinâmica em sua aula. Além disso, é fundamental uma atenção nas entrelinhas das falas, dos gestos, das reações e inclusive, das provocações.

4. Considerações Finais

A escola ainda está presa a muitos aspectos que já não fazem parte dos anseios do contexto no qual vivenciamos. A dominação, o controle e o poder definitivamente já não combinam com o ideal de educação no qual queremos, mas ainda assim fazem parte, mesmo que mascarados, da educação que temos.
O rigor do capital dita regras que estão inseridas na instituição escolar e fomenta a docilização e robotização dos sujeitos da ação educativa. É no ambiente educacional formal que as ideologias dominantes buscam o ideal do ser humano modelado às exigências da sociedade do capital. A descaracterização do papel do professor ocorre silenciosamente e é oriunda de vários fatores que envolvem questões políticas, ideológicas, identitária e sociais.
A relação professor-aluno continua sendo regida pela autoridade imposta do professor e contrária ao desejo do aluno. As perspectivas de autonomia, cooparticipação de atores da ação educativa ficam no âmbito da teoria e do discurso, enquanto na prática verifica-se uma tentativa de inovação por parte de muitos profissionais da educação, mas que é abafado pela ordem das coisas e pela comodidade.
Aqueles que ousam em sala de aula contrariar o que insiste em permanecer, são perseguidos pelo conjunto das ações do poder centralizador presente nas instituições escolares. Mudar a ordem das coisas não é tão simples como parecer, exige um compromisso político e identitário do professor e de todos que estão envolvidos com a educação. No filme em questão, há uma cultura organizacional que em nenhum momento é questionada por professores e pela direção da escola. Eles são peças importantes no processo de manutenção da ordem, ou melhor, na manutenção da imposição do poder autoritário que está acima, inclusive, da escola.
A escola é arma ideológica para adaptação do homem ao fatalismo e a subordinação àqueles que detêm o poder econômico, bem como à reprodução das relações de exploração do homem que reforça a marginalidade. Pois, quando deve ser instrumento de desenvolvimento do homem integral, tem se reservado em aniquilar qualquer ameaça ao poder a que serve.
A escola é uma instituição paradoxal e contraditória, pois, enquanto se encaminha para alguns fins, se orienta para outros, ou seja, a escola é desenvolvida para a formação intelectual, pessoal e social do homem/mulher, no entanto tem se orientado no decorrer dos anos para a marginalização, opressão, submissão e moldagem dos mesmos, seguindo os moldes do consumismo selvagem e desenfreado. Pretende-se que a escola seja instrumento de igualdade social, quando de fato tem mantido as desigualdades. É do propósito da escola o preparo dos indivíduos para que sejam cidadãos autônomos e livres e não promover a submissão a favor de minorias favorecidas pelo poder.
É também contraditória quando homogeniza e segrega. Homogeniza o comportamento, as atitudes, o aprendizado e o tempo de aprendizado de cada aluno e utiliza os mesmos métodos avaliativos sem levar em consideração às diversidades de cada indivíduo e, ao mesmo tempo segrega esses mesmos alunos por melhores e piores, ou seja, bons e ruins. A escola impõe rótulos e se exime da culpa do fracasso escolar de muitos alunos.
No filme a atenção dada ao disciplinamento dos alunos e a imposição de situações que apontam em direção a subordinação às regras e as determinações da instituição escolar, tornam o ambiente educativo em um cenário de rivalidades, discórdias e muitas vezes de agressões verbais por parte de professor e alunos. Há um contínuo de fatos marcantes nesse sentido que sinalizam uma realidade mais próxima do que muitas vezes imaginamos.
Partindo dessa análise, podemos destacar que a ordem não é elemento indispensável para uma aprendizagem eficaz. A disciplina sim é elemento fundamental para a educação, tendo como principio a disciplina enquanto organização e objetivação de idéias, e não como o temo é pejorativamente conhecido. Disciplina não é sinônimo de cárcere. O objetivo maior da educação passa longe da educação para criar pessoas dóceis, mas sim pessoas questionadoras, críticas e construtoras do conhecimento.
Para tanto, a relação professor-aluno deve deixar de lado velhos paradigmas de disciplina, poder e autoritarismo e, a escola deve centrar no ideal de educação problematizadora e humana se quiser reverter o processo de opressão e descaso com a educação formal que se presencia há muito tempo. Ou seja, os sujeitos da práxi educativa devem está imbuídos na luta por sua emancipação.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de estado (AIE). Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 2ª edição. 1985.

FOCAULT, Michel. Corpos Dóceis. In: Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. Petrópolis – RJ: Vozes: 1987.

MÉSZÁROS, István. A Educação para Além do Capital. Tradução de Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005.

PASSOS, Laurizete Ferragut. A Indisciplina e o Cotidiano Escolar: novas abordagens, novos significados. In: AQUINO, Julio Groppa (Org). Indisciplina na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summuns,
1996.


[1]  Para o autor, a dominação dos corpos dóceis, seja na igreja, no exercito ou na escola, funciona melhor quando se cria uma escala do controle, ou seja, quando se consegue estabelecer que todos possuam um mesmo comportamento, o comportamento desejado/requerido.
[2] Grifo da autora do artigo entre parênteses.